28.10.09

Você é aquilo que teme

Há tempos o medo deixou de ser apenas -- como diria o Houaiss -- um estado afetivo suscitado pela consciência do perigo ou que, ao contrário, suscita essa consciência. Medo tornou-se algo além de uma 'simples' resposta biológica e psíquica à ameaça externa objetiva. A capacidade de sentir medo ainda é parte de nossa natureza, da nossa humanidade. Mas algo mudou.

Colapsos após colapsos, realidades que se diluem num piscar de olhos, a imprevisibilidade da vida que seguimos - tudo isso ajuda a nutrir essa cultura do medo, onde o que prevalece é o porvir e a ansiedade e a expectativa. O nosso sentir medo é ok, não dá pra mudar (e nem podemos querer que mude). É a experiência do medo que mostra-se como problema, e esta é afetada por influências culturais e históricas.

Dizem que se existe algum interesse em manter a cultura do medo, é pelo fato de ser uma das mais eficazes ferramentas políticas para amansar cidadãos, induzir comportamentos, justificar decisões militares (Iraque, alguém?) e, o que nos diz respeito, manter as pessoas consumindo, nem que para isso utilize-se o medo pelo medo, o medo de não corresponder às expectativas que a sociedade lhe atribui, ou os inimigos que nem você sabia que existia.

Você é aquilo que teme...

O pior inimigo é aquele que você não vê
Uso recomendado: Ataques químicos ou radioativos






Capas protetoras (incluindo itens para os pets), luvas, mochilas, cantis e até comprimidos para minimizar a radiação podem ser encontrados no paraíso do medo invisível: Approved Gas Maks.

Nóia executiva
Uso recomendado: ataques terroristas






Na caminhada rumo ao topo da carreira, alguns executivos escolhem acessórios como o Evacuchute: um para-quedas para civis. Quanto mais alto o prédio pior o tombo - melhor desembolsar USD 2,500 e ter a certeza de voar e pousar com segurança.

Energia extra pra manter a vida
Uso recomendado: isolamento/desastre ambiental



Cada balinha contém 2000 calorias. Uma bomba calórica para manter tudo em ordem até o resgate chegar.

Olho extra para enxergar onde você pisa
Uso recomendado: ambientes hostis com histórico de minas terrestres.





Detector de metal para tênis.

Fazendo amigos
Uso recomendado: evita ataques sexuais pelo boa noite Cinderela


Última palavra em tecnologia de segurança pessoal, o batom/gloss 2LoveMyLips é na verdade um kit que detecta drogas que eventualmente possam estar presentes na bebida. Ao mergulhar no drink, se der azul, melhor cair fora. Correndo. Em breve, 2LoveMyLips estará disponível no Reino Unido em vending machines em pubs e clubes, bem como na Austrália e EUA.

Proteção democrática
Uso recomendado: donos de carros que não podem pagar por um serviço de blindagem tradicional


De acordo com o site da DuPont, o mercado brasileiro de blindagem civil já é um dos maiores do mundo, porém o custo para adquirir um sistema de blindagem tradicional é alto. Por isso criaram o Armura, que garante proteção para toda a família, em quem tem Corolla, Vectra ou Civic, por apenas R$ 18.950, contra os R$ 50 mil da blindagem tradicional.


Agora, p'ra que isso tudo?

Oferecer paz de espírito, alguma sensação de controle, e uma leve sensação de prevenção a quem, por motivos diversos e que não cabe a você ou a mim julgar, se rendeu ao apelo do medo. Afinal, melhor prevenir, pois esse é o mundo que irremediavelmente vivemos.

Update Amaral

Em junho, disse que o medo sim tem valor, pois é moeda social. A abdicação ou abolição dos medos civiliza, insere. Ou seja: liberta. No Facebook, a Simone disse, em resposta ao que o Keid escreveu acima, que o medo é o combustível de religiões, mas medo sem religião dá mais medo. religião é combustível pra guerra. guerra é morte. morte é o medo em si. morte é paz? mas paz dá medo pq pode acabar, olha aí a culpa...culpa é medo. tu é foda, adorei a frase.

Pois, a definição de medo e das causas dele são subjetivas, mas alguma coisa temos em comum: a condição nesse planetinha safado.

Para não sustentar o próprio medo, mas a sensação de que algo bem pior sempre acontece na vizinhança, é o próprio medo que alimenta a percepção de segurança. É o que indica, pelo menos, a lista de notícias mais lidas do G1, às 9h29min de Quarta-feira (28.10).



E nada mais simbólico que a última cena do filme Clube da Luta, em que o personagem de Edward Norton pede para o de Helena Borham Carter (Marla) que todo o medo sobre o futuro seja deixado no passado, em uma fase "estranha" da vida dele, enquanto prédios entram em ruínas e os dois selam o fim dessa parte da história de mãos dadas. Talvez seja isso mesmo: além do medo, só existe a solidariedade.

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