12.4.10

Mundo em Beta

Vamos fazer diferente dessa vez, e queria começar por esse texto. Por vezes é preciso deixar as teorias, gurus e especialistas de lado. Não sei quanto a vocês, mas estou num momento São Tomé. Preciso de práticas, de exemplos, de pessoas que foram lá e fizeram, e continuam a fazer. Simples assim. O que essas pessoas viram que não vemos? O que move essas pessoas para cairem de cabeça no diferente, no inusitado, criando assim algo singular? Mas já aviso que, dentre esses exemplos, existe uma mensagem: o mundo está definitivamente em beta. A seguir, as empresas que me fascinaram, e estão querendo mudar a ordem das coisas, repensando o que é fazer negócios, a partir de uma atitude que pede, principalmente, aceitar que vão cometer alguns erros.

1) Noko Jeans


Marca de jeans sueca. Noko é diminutivo de North Korea (Coréia do Norte). A mesma Coréia do Norte de Kim Jong-Il, isolada do mundo, e que os EUA atribuem o pesadelo da paz mundial, já que eventualmente testa umas bombas perto da sua irmã, a Coréia do Sul. Mas para que esses suecos dariam a uma marca esse nome? Mas não é só o nome, pois as peças são produzidas lá. O país, e isso eu não sabia, é um profílico e qualificado produtor de jeans. Com essa informação em mãos, e munidos de consciência política, Noko Jeans instiga ativismo por meio do comércio. Seu jeans, de edição limitada, são mais do que produzidos lá. Eles trazem em si a mensagem de que, além do governo, existe uma população calorosa, receptiva, trabalhadora, e que não tem que pagar pela loucura de seu líder supremo. Os fundadores da marca a criaram com o intuito de formar uma conexão emocional positiva com um país cuja imagem até pode ser assustadora, mas sua população, humana como todos nós, está isolada. E essa história pode ser encontrada na flagship da marca em Estocolmo - o Noko Jeans Museum.



>> Noko Jeans
>> Noko Jeans @ Facebook

2) AntiSweden


Outra marca de jeans, só que norueguesa. Eu ri muito com o nome, anti-Suécia, mas depois de conhecê-los entendi os motivos: Noruega foi ofuscada (e perde feio) para Suécia no cenário global, principalmente por essa última ser bem sucedida e uma referência em arquitetura, design e moda. AntiSweden é a resposta fashion norueguesa a isso, porém com um viés tão irônico, que as defesas politicamente corretas vão por água abaixo. Os donos da marca se apropriaram de algo que torna a Noruega particularmente famosa por entre jovens no mundo todo, que é o Black Metal. Toda a imagética da marca gira em torno disso - as estampas, o conceito das coleções e o patrocínio de bandas norueguesas dessa vertente musical que fazem shows pelo mundo. De acordo com o site, a AntiSweden "quer fazer uma marca que crie produtos com edições limitadas e altamente desejados, por meio de artistas e músicos que dividam conosco a mesma visão perturbada e obscura, assim como o amor pelo culto ao Black Metal". O melhor é a ironia, que, por conta da sutileza, não ofende ninguém. Esses noruegueses nos ensinam que existe espaço para práticas de branding mais ficcionais, baseadas numa ironia sofisticada, e que se aprofunde mais em nichos culturais para criar desejos.



>> AntiSweden

3) Civilist


Mais que uma loja, é um hub que concentra o melhor da cultura urbana, bem no centro de Berlim. Os donos são editores da Lodown, uma revista sobre cultura pop e cultura urbana, e o nome é uma referência ao passado recente imposto pelo muro de Berlim. Civilist é uma alusão a Zivilist, o nome que os dirigentes da Alemanha Oriental davam a seus habitantes. Mas uma possível imagem de hierarquia e repressão que esse fato possa trazer, é tudo o que essa loja não é. Civilist é um convite à desobediência das regras sobre o que é fazer varejo. Existe um ponto de venda físico, mas seu espaço interno pode se transformar a qualquer momento. A loja, que concentra as marcas mais desejadas do universo de streetwear, e que normalmente fica logo que se abre a porta, pode mudar para o porão sem nenhum aviso, pois uma exposição de última hora pode ocorrer. Ou uma palestra, workshop, show ou uma instalação, não importa. O que o público DEVE esperar é esse morfismo, pois a loja não quer sobreviver apenas da venda de roupas, mas sim da oportunidade de oferecer ao seu público mais sobre cultura urbana e suas manifestações.

>> Lodown
>> Civilist

4) Ace Hotels


Ace faz parte da nova geração de hotéis que surgem pelo mundo: mais baratos, porém sem abrir mão do design e de oferecer aos seus hóspedes uma experiência transformadora. A rede Ace tem com cerne de sua existência conceitos como o mundo orgânico, práticas verdes e o cooperativismo para compor o seu negócio. Também se preocupam em entregar a cultura local para quem lá se hospeda. De acordo com seu diretor, Jan Rozenveld, "se sentimos um 'click' em alguém, e percebemos que essa pessoa é apaixonada pelo que faz, damos um jeito de fazê-la ser parte do nosso negócio". Daí é muito comum perceber uma série de pequenas lojas a partir do lobby do hotel, que entregam o que há de mais legal, único, exclusivo e local, relativo à cidade onde se encontra a unidade Ace. Isso vale para restaurantes, cafés e lojas anti-souvenir, como a encontrada na unidade de Nova Iorque, a Project No. 8. Agregando ao seu universo pequenos negócios com personalidade, a rede hoteleira constrói uma imagem única, dando aos seus hóspedes mais que acomodações confortáveis e moderninhas a bom custo - traz a eles um pedaço da história da cidade.

>> Ace Hotel
>> Project No. 8

Essas empresas podem lembrar um pouco as antigas start-ups web dos anos 2000, mas passam bem longe das indústrias relacionadas a tecnologia. Elas têm sua existência baseada no mundo real, porém alimentam projetos que remetem ao caráter desestruturador das antigas start-ups. Elas são, de alguma maneira, a expressão do cansaço à virtualidade, pois todas se baseiam em relações interpessoais, humanas e de negócios concretos para existir.

Elas são agressivas, ousadas, e precisam de um pouco de risco e erro para acontecer. Seus negócios são propositadamente de menor escala, mas com alto valor simbólico. Por serem baseadas em networks, são altamente reativas e estão em desenvolvimento e aprimoramento constantes. Levam em consideração a flexibilidade e entendem negócios como algo mais experimental e humano, menos linear e lógico. Existe apelo mais libertador e criativo para esses tempos imprevisíveis e voláteis em que vivemos do que ser beta?

[Artigo publicado na ResultsOn, em 12.04.10]

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