22.12.09

Estranhos animais humanos e suas muletas emocionais

1. Últimos minutos com Oden

Como qualquer dica que venha do Peele é sempre uma coisa boa, assisti ao (micro) documentário Last Minutes with Oden, do diretor californiano Eliot Rausch. Rausch trabalha com video, e já fez trabalhos para diversas marcas. Eventualmente faz experimentações cinematográficas, seja em vídeo ou animação. Esse documentário é uma dessas explorações dele em narrativas não-comerciais.

O vídeo começa tenso, bem tenso. Conhecemos a figura ansiosa de Jason Wood, um cara que, aparentemente, passou a vida dentro e fora de prisões por causa de drogas. Rausch filma os minutos anteriores ao momento em que Jason terá que botar seu cachorro Oden para adormecer. Doente, o cachorro terá que dormir para sempre, e cabe a Jason acompanhar o amigo nessa jornada.



Percebe-se claramente o desespero de todos. O cachorro, com olhar assustado percebe seu fim, mas tem uma resignação nobre. Assim como todo animal não-humano, Oden preservou sua sensibilidade e integridade.

Oden foi a ponte e o elo de Jason com a realidade, em especial com a realidade dos afetos, de gostar e ser retribuído. Foi Oden quem resgatou e conectou Jason às suas emoções e à espiritualidade, coisas até então perdidas por conta do vício.

O (micro) documentário é apenas o registro de um adeus, uma fração de história, mas forte o suficiente para emocionar.

2. Cãopanheiro

De maneira semelhante, encontramos o olhar de Oden nesse cachorro de Curitiba. Um jovem foi assassinado no Bairro Boqueirão, em Curitiba, em frente a uma lan house. Seu cachorro chegou minutos depois e ficou ali a seu lado até a chegada do IML.



Trêmulo, o cachorro velava e protegia o corpo do rapaz morto. O seu desespero quando o camburão chega e leva o jovem sem vida é devastador.

O "cãopanheiro" e o rapaz curitibano foram filmados por acaso, e os papéis estão invertidos. Ainda sim, tanto quanto Oden, é tão forte que dói.

Todos nós de alguma forma fomos impactados por vídeos e histórias assim, onde, humanizados, os animais subvertem a ridícula lógica judaico-cristã de subserviência, e tornam-se nossos melhores - se não únicos - amigos. E assim são, com certeza.

Os animais são acolhidos pelos seres humanos porque o relacionamento com animal é mais fácil do que com outro ser humano: o animal está sempre disponível, o animal é tolerante e expressa uma amizade incondicional, o animal supre a carência de afeto da pessoa desinteressadamente e o animal é acrítico: Nossos bichos de estimação são fonte segura e previsível de afetos. Até Freud citou o quanto a relação com bichos é reconfortante e compensatória.

Um artigo na revista Psique destaca que "Os arranjos sociais favorecem os laços com os bichos: a demografia está caindo, as famílias são menores e estão sendo modificadas, com mais pessoas morando sozinhas. A sociedade ocidental parece enfatizar a individualidade, a racionalidade, o controle, o livre-arbítrio e o materialismo, diferentemente de sociedades tradicionais, que priorizam os valores comunitários, a expressão emocional e a espiritualidade. Essas diferenças afetam as crenças e atitudes das pessoas. Assim, o hábito de possuir animais de estimação pode ser muito acentuado no Ocidente talvez pelo preenchimento de necessidades emocionais que os animais proporcionam, supridas de outras maneiras em outras sociedades."

O mais bizarro de tudo é pensar que hoje em dia cabe a um bichinho de estimação a tarefa de manter nossa sanidade, quando não nos salvar emocionalmente. Cabe a eles serem nossos agentes de interação social, psíquica e emocional. Acho que isso é exigir demais deles. Só precisamos ama-los, já é o bastante.

Que espécie é irracional mesmo?

3 comentários:

  1. A frase com que você fecha o post é, de fato, muito perspicaz. Cachorros e gatos são infinitamente mais fiéis e dedicados que a maior parte dos humanos.

    Abração!

    R.

    ResponderExcluir